Desvendando o Inquérito Policial e Suas Ramificações Jurídicas
Para compreender plenamente as consequências do inquérito policial, é fundamental primeiro entender o que ele é e quais funções desempenham as polícias investigativas em nosso sistema. Embora o ordenamento jurídico brasileiro apresente uma conceituação por vezes ambígua, doutrinariamente é comum distinguir a polícia judiciária da polícia repressiva, ou investigativa. A polícia judiciária é aquela que auxilia o Poder Judiciário, realizando diligências essenciais para o exercício da jurisdição. De forma mais específica, como definido pelo Código de Processo Penal (CPP), ela se dedica à investigação criminal, buscando elucidar práticas criminosas através da apuração de autoria e materialidade.
O artigo 4º do CPP estabelece que a polícia judiciária, exercida pelas autoridades policiais em suas respectivas circunscrições, tem como finalidade a apuração de infrações penais e de sua autoria. Esse conceito se alinha diretamente com o de polícia repressiva, pois visa justamente conter a criminalidade. As autoridades policiais utilizam o inquérito policial como ferramenta primordial para esclarecer os crimes de que tomam conhecimento. As principais normas que regem o inquérito estão nos artigos 4º a 23 do CPP, mas outras leis, como a Lei Maria da Penha e a Lei de Drogas, também contêm dispositivos sobre investigação criminal.
Uma característica marcante do inquérito policial é sua temporalidade. Ele possui natureza temporária e preparatória, não podendo se estender indefinidamente. Existem prazos específicos para sua conclusão, embora possam ser dilatados em circunstâncias que justifiquem tal necessidade. Quando não há mais elementos que sustentem a continuidade da investigação, a autoridade policial deve adotar providências que envolvem o Ministério Público e o Poder Judiciário. Isso ocorre mesmo na ausência de indícios de crime, pois o princípio da indisponibilidade impede que a autoridade policial arquive o procedimento por conta própria.
O Arquivamento: Fim da Investigação ou Pedido de Reanálise?
Dentre as principais consequências do inquérito policial, o arquivamento se destaca como a medida adotada quando não há fundamentos para o oferecimento da ação penal. Essa decisão é cabível em situações análogas às da absolvição sumária previstas no artigo 397 do CPP, ou quando falta justa causa, ou seja, indícios suficientes de autoria e materialidade, combinada com a impossibilidade de realizar diligências complementares.
As hipóteses de absolvição sumária, que podem levar ao arquivamento, incluem a existência manifesta de causa excludente de ilicitude do fato, a existência manifesta de causa excludente de culpabilidade, ou quando o fato narrado evidentemente não constituir crime. Se houver qualquer dúvida sobre a presença desses elementos, o arquivamento não é a medida adequada. Nesses casos, devem ser realizadas diligências complementares ou a denúncia/queixa deve ser recebida, garantindo-se aos envolvidos a produção de provas durante o processo criminal.
É importante notar que defensores de uma visão mais garantista podem argumentar que, mesmo em caso de dúvida, o arquivamento deveria ser promovido com base no princípio do in dubio pro reo (na dúvida, a favor do réu). Em qualquer cenário, o controle judicial do arquivamento é obrigatório. A autoridade policial não pode encaminhar o inquérito diretamente ao Ministério Público para arquivamento. Se o Ministério Público solicitar o arquivamento e o juiz discordar, os autos podem ser remetidos ao Procurador-Geral ou à instância revisora ministerial, para ratificação do pedido ou designação de outro promotor para atuar no caso, conforme decidido na ADI 6298.
Diligências Complementares: A Busca por Mais Esclarecimentos
Ao finalizar as investigações, a autoridade policial deve remeter os autos ao juiz e apresentar suas conclusões sobre o suposto crime. É crucial entender que a autoridade policial não é a titular da ação penal, portanto, não pode requerer o arquivamento nem a instauração da ação. Sua função é apontar as conclusões, que podem indicar a necessidade de arquivamento ou a identificação de possíveis autores de condutas criminosas.
Caso o Ministério Público considere as conclusões do inquérito insuficientes, ele pode solicitar o cumprimento de diligências complementares. O artigo 16 do CPP, embora afirme que o Ministério Público não pode requerer a devolução do inquérito à autoridade policial, ressalva a exceção de novas diligências que sejam imprescindíveis ao oferecimento da denúncia. Assim, mesmo que a autoridade policial conclua pela ausência de indícios, se o Ministério Público tiver dúvidas sobre a existência do fato, pode determinar diligências adicionais para esclarecimento.
Indiciamento Formal e a Possibilidade da Denúncia
A Lei nº 12.830/2013 definiu o indiciamento como um ato formal, de competência exclusiva do delegado de polícia. Por meio deste ato fundamentado, com análise técnico-jurídica, são indicados a autoria, a materialidade e as circunstâncias do fato criminoso. O artigo 2º, § 6º, da referida lei, detalha que o indiciamento é privativo do delegado e deve ser feito por ato fundamentado, detalhando autoria, materialidade e suas circunstâncias.
Mesmo que a autoridade policial não aponte um suspeito ao final das investigações, o Ministério Público ainda pode oferecer a denúncia se possuir informações suficientes e entender que há base para a ação penal. Isso se deve ao fato de que o inquérito policial, apesar de sua indisponibilidade para a autoridade policial, é dispensável para o Ministério Público, que pode formar sua convicção com base em outras provas.
Institutos Despenalizadores: Soluções Alternativas e Eficientes
Os institutos despenalizadores representam ferramentas do Direito Penal e Processual Penal que refletem o princípio da intervenção mínima, a busca por soluções consensuais de conflitos, a descarcerização de condutas menos graves e a promoção da justiça restaurativa. Através desses institutos, o titular da ação penal e o investigado podem acordar medidas alternativas à pena tradicional para a resolução do crime.
Embora frequentemente aplicados após a conclusão do inquérito, quando há uma convicção maior sobre autoria e materialidade, sua utilização pode ocorrer durante o próprio curso das investigações. Esses institutos podem ser propostos pelo Ministério Público ou pela vítima, dependendo de quem detém a titularidade da ação. O controle judicial sobre esses acordos é sempre obrigatório. Colaborações com as autoridades, como as delações premiadas, que podem levar à isenção de pena, não são consideradas institutos despenalizadores, mas sim técnicas especiais de investigação.